A Feira dos Santos de Chaves decorre anualmente nos dias 30 e 31 de Outubro e 1 de Novembro. Festa tradicional de tempos remotos, ela, muito para além do visível sem fim de barracas e feirantes, é uma mostra do espírito prazenteiro e, principalmente, da luxuria carnal dos flavienses. Noutras épocas ela serviria um propósito óbvio, o de fornecer as gentes da cidade de tudo o que uma feira pode oferecer a preços que só a venda em massa permite. Algo obviamente necessário no tempo em que o dinheiro submetia os portugueses a uma espécie de estoicismo salazarento. A feira atraía muita gente, não só portuguesa como também galega, que vinha cá pela feira e por aqui ficava pela festa. Havia cinema e música, montras e rifas daquelas em que sai sempre prémio, jogava-se aos matraquilhos e fazia-se batota às cartas, comia-se e bebia-se, passeava-se de café em café sem tempo ou vontade de dormir. Muitos dos visitantes dormiam pela rua, debaixo dos seus próprios casacos, aquecidos apenas pelo vinho e pelo próprio espírito. Muito celebra o povo os seus Santos.
A efeméride remonta ao tempo dos Celtas, que comemoravam o ano novo no dia 1 de Novembro. O facto de este dia ser, nos nossos tempos, o dia de Todos os Santos é uma espécie de anedota anedónica, muito semelhante à do Natal a 25 de Dezembro. A tentativa de santificação das festividades pagãs passava, nessa remota época, por simplesmente lhes sobrepor festividades Cristãs e deixar o tempo e a confusão tratar do resto. Assim, desde o início, o dia de Todos os Santos foi uma espécie de expropriação Papal da mitologia politeísta e das celebrações pagãs. Não descurando que, em si, os Santos são a versão monoteísta do politeísmo. A primeira Celebração remonta a 13 de Maio de 610 d.C. quando o Papa Bonifácio IV dedicou o Panteão de Roma (originalmente concebido em adoração aos deuses romanos) a Maria e a todos os Santos mártires da Igreja. A segunda expropriação cultural foi quando o Papa Gregório III mudou a data para o 1º de Novembro, sobrepondo-a ao Samhain (ano novo Celta). E assim se chegou ao dia dedicado a Todos os Santos, mártires da Igreja, que se celebra com uma noite insone, cheia de música, comida, vinho e folia. Ou pelo menos assim dela se recordam as gentes de Chaves. Mas os Santos perdoam-nos, afinal dedicamos-lhes uma feira.
Com o passar dos anos a democracia fez os seus milagres. A feira já não é um sítio de oportunidade e de compra. As pessoas já não dormem ao relento, nem entram na santa celebração com tanta vontade de que o amanhã não chegue. Agora existe a vontade do consumo ocasional que o hedonismo tanto gosta. As pessoas compram com pouca vontade de regatear e com pouca necessidade de o fazer. Existe mesmo, por vezes, um pequeno prazer mórbido em pagar algo mais do que o necessário. A alegria de pobre é difícil de entender. Os amigos ainda jogam aos matraquilhos, bebem e comem e passeiam toda a noite, mas exatamente com o mesmo espírito de todo o resto do ano. O conforto elimina a grandeza dos eventos. Esta é mesmo a grande invenção do século XXI, não se fazem revoluções com gente confortável.
Mas falemos dos Santos e da feira.
Existem, na feira, uma miríade de produtos: os úteis, os aparentemente úteis mas facilmente extraviáveis, os aparentemente úteis na realidade inúteis, os inúteis aparentemente inúteis, os aparentemente inúteis que talvez possam ter utilidade e muitos chouriços. Classificando-os de outra maneira existem: os regionais, os não regionais de marca falsificada, os não regionais de marca possivelmente roubada e muitos vinhos.
Além dos produtos, e já que estamos num país de serviços, a feira dispõe também de vários fornecedores de entretenimento. De entre os mais prestigiados contam-se: flautistas de pan (e as suas belas covers de Céline Dion), gado variado em competição (e os seus pastores), bandos itinerantes de acordeonistas (e os seus acordeões), cabeçudos e gigantones (e os seus respectivos e transpirados humanos), conjuntos musicais de rua (e as suas coreografias), diversões (e a sua bonomia em serem as montanhas russas dos pobres), homens que falam galego (e as suas boinas), farturas e castanhas (e os seus vendedores mais ou menos sujos de sebo e fuligem) e a gente (e as suas multitudes).
Venham! Venham à feira e sintam-na como eu a senti na minha infância, no meio da imensa e feliz gente. Com o prazer de receber os Santos, de comer farturas, de provar o polvo, de ganhar prémios inúteis nas rifas, de ouvir a música popular e impopular, de jogar às pistolas e de voltar para casa com um jornal enrolado à volta de castanhas. Se não conhecerem trás-os-montes fiquem a saber, nós gostamos das nossas montanhas e do nosso nevoeiro, mas o nosso património são as nossas gentes. Os meus avós este ano deram-me os Santos… e que feliz que eu fiquei… e que felizes que eles ficaram.
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CHAVES | Informações úteis
- Onde dormir?
Opção luxo: Vidago Palace. Um dos hotéis mais luxuoso do nosso país, foi eleito o melhor hotel da península Ibérica e combina o estilo Belle Époque com o luxo moderno. Possui campos de golfe, de ténis, mini golfe, piscina entre outras actividades de lazer. Os jardins com 40 hectares, do Parque de Vidago rodeiam o edifício. Uma noite neste Palace custa no mínimo 257€/noite.
Mais informações e reservas: Vidago Palace
Opção conforto: Hotel Casino Chaves. O hotel fica ligeiramente afastado do centro, mas oferece uma vista incomparável sobre a cidade. Os quartos são espaçosos, possuem uma pequena varanda, TV, ar condicionado e uma grande casa de banho privada com banheira. O preço é de 77€/noite com pequeno almoço incluído.
Mais informações e reservas: Hotel Casino Chaves
Opção económica: Quarto Marrocos. Este lindo apartamento, localizado a apenas 300m do castelo e 400m das termas de Chaves, é o local ideal para passar umas férias em família ou entre amigos. O apartamento está muito bem equipado e é constituído por 2 quartos com cama de casal, uma casa de banho, uma cozinha e um salão. É possível tomar o pequeno almoço no apartamento. O preço é de 22,50€/noite pelo quarto mais pequeno e 25€/noite pelo quarto maior.
Mais informações e reservas: Quarto Marrocos
- Onde comer?
Para um bom prato caseiro: O Manco
Para um bom prato transmontano: Aprígio
Para um bom ambiente: Pensão Flávia
Para um bom bacalhau com uma vista deslumbrante: Restaurante Miradouro
Para um bom marisco (não é gozo, há mesmo bom marisco em Chaves!): O Príncipe
Para um bom prego no pão: O Calhambeque
Para experimentar o melhor presunto da região: Zeca Moura – Casa do presunto
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Parabéns Axel, a publicação é do melhor. Apenas um flaviense de gema a podia ter escrito.
Gostei muito da crônica sobre a feira dos Santos e das fotografias. Parabéns! !👍👍
Ola só o que venho encontrar, memórias que não são minhas, mas ainda assim memórias. Como é bom viajar!